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Escolas da capital baiana registram uma ocorrência policial por dia

terça-feira, 7 de maio de 2013


A aula era de Ciências  e o assunto sexualidade. Diante da zombaria, um aluno servia de chacota entre os colegas por conta de sua orientação sexual. A professora então explicou que era preciso respeitar as diferenças, mas um dos integrantes da classe seguiu na galhofa  e foi advertido pela então autoridade da sala.


No entanto, ao invés de se calar, o aluno deu um soco no rosto da professora. “Ela se afastou do trabalho porque não tinha condições físicas e nem psicológicas para continuar. O aluno deixou a escola por conta própria, pois o clima era insustentável”, declarou uma outra professora que socorreu a vítima no dia.

O fato aconteceu no ano passado em uma escola estadual de Salvador e revela o embate entre alunos e professores, principalmente na rede pública de ensino.  

Este ano, foram registradas 29 ocorrências policiais nas escolas de Salvador - só uma foi em escola particular.  Só em abril houve três casos de violência, entre eles uma tentativa de homicídios (veja ao lado). Ano passado, foram 199 ocorrências registradas  na Delegacia do Adolescente Infrator (DAI) —  o que corresponde à média de uma ocorrência por dia, levando em consideração que o ano letivo tem 200 dias. A maioria foi de lesão corporal — 91 casos.

“Geralmente os professores não vêm, só quando o caso é muito grave. Ficam com medo de se expor, pois, às vezes, os estudantes têm envolvimento com o tráfico de drogas. Em algumas situações, a própria direção orienta o professor a não ir para não expor a escola”, declara a delegada Claudenice Mayo, titular da DAI.

De acordo com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia, no estado são 1.385 escolas, 229 é o total em Salvador. Já pela prefeitura, são 431 instituições de ensino na capital.

Agressões
Há cerca de 15 dias, uma professora da Escola Estadual Solange Hortélio Franco, no Uruguai, passou por momentos de pânico. Ela resolveu juntar duas turmas do noturno.

“Alguns alunos não quiseram, mas a professora argumentou que pra ela não havia problema porque iria para casa de carro, enquanto alguns alunos teriam de ficar expostos à violência do bairro nos pontos de ônibus”, conta Nilo Araújo, vice-diretor do turno.

Um estudante disse na sala:  “Professora, estou cheio de ódio e se eu tivesse algo pontiagudo nas mãos furaria seu pescoço”, conta Araújo. Segundo ele, a professora não foi trabalhar no dia seguinte com medo e o aluno foi suspenso por dois dias. “O aluno pediu desculpas e disse que guardava mágoa da professora porque certa vez ela saiu da sala e pediu para uma funcionária tomar conta de um data-show. Ele interpretou a atitude como se a professora tivesse insinuado que ele fosse roubar o equipamento”, completa o vice-diretor.

Os alunos não são os únicos agressores. Na Escola Municipal do Pescador, em Itapuã, uma professora foi esbofeteada pela mãe de um aluno, em maio do ano passado. A professora tinha chamado a atenção de um dos alunos.
No dia seguinte, a mãe foi à escola agitada e procurou pela professora, que não teve chance de defesa. Sem que ao menos explicasse a situação, a professora recebeu a primeira de uma sequência de agressões. “Foi um gesto de impulso da mãe. A professora é  tranquila, naquele dia estava substituindo outra professora que estava de licença”, conta a diretora Silvania Leão. 

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB), Rui Oliveira,  acredita que um dos motivos para a existência de casos como esse é a mudança na estrutura familiar. “Antes, o pai entregava o filho na escola e todos tratavam o professor com respeito, também como alguém da família”,  diz.

Segundo uma das representantes da APLB, Jacilene Nascimento, muitos professores estão em restrição funcional. “Sem condições de reger a classe, muitos sofrem com síndrome do pânico e transtornos de bipolaridade, por causa dessas situações. Nessas condições, o professor deveria ser transferido para outra unidade, mas isso não acontece porque fica a cargo da secretaria”, disse.

A coordenadora do Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor da Secretaria Estadual de Educação, Maria Regina dos Anjos, afirma, porém, que os casos de violência são pontuais. “São pouquíssimos casos. Nós fazemos oficinas de caráter preventivo e acompanhamento no espaço escolar”, diz.

Segundo ela, a informação de que os professores não são transferidos não procede. “Quando acontece alguma eventualidade, a secretaria assume e tenta tomar todas as medidas cabíveis para lidar com o problema”.

Riscos
Um professor de Educação Física, da Escola Municipal Dona Arlette Magalhães, em Castelo Branco, chegou  a ser transferido depois de um trauma. No começo deste ano, ele  teve uma arma apontada para a cabeça. Dois homens pularam o muro da escola e intimidaram o professor para tomar  os equipamentos utilizados nas aulas . “Em pânico, o professor foi transferido e hoje está em trabalho administrativo na Secretaria de Educação”, relata um dos professores.

Para a supervisora da Subcoordenadoria de Apoio e Assistência ao Educando da Secretaria Municipal de Educação, Luciene Costa, a violência contra os professores é algo que deve ser combatido com ajuda da sociedade. “A escola, sozinha, não tem condições de resolver. É um problema social que precisa da ação de toda a comunidade, da família e do poder público”.

Luciene classificou a situação como “um desafio”. “Procuramos fazer isso para saber se aquela conduta foi por conta de uma situação social ou por conta de algum transtorno”, ponderou. No entanto, ela admite que não há um projeto específico para os casos de professores agredidos.

Para tentar curar um trauma, a psicoterapeuta Eurides Pimentel recomenda que o professor procure assistência psicológica. “Se não, é possível desenvolver depressão, síndrome do pânico. É um acidente de trabalho, no qual a assistência à vítima deve ser cobrada”, explica a especialista.

Violência escolar  reflete  casos que acontecem dentro de casa
A promotora Edna Sara Dias de Cerqueira, do Ministério Público Estadual (MPE), indica que a violência na escola reflete os problemas familiares. “Normalmente essas situações são comuns com criança ou adolescentes que vêm de um ambiente violento e eles acabam reproduzindo. É uma tendência”, analisa.

Segundo ela, o MPE adota medidas como representação criminal, resultando em medidas socioeducativas ou até a internação – nos casos mais graves - ou na remissão (perdão), quando se consegue harmonizar a situação, quando se sabe que o aluno não mais voltará a repetir o ato.

A Polícia Militar, através de nota, informou que a corporação conta com 400 policiais militares, 15 viaturas e dez motocicletas no grupo chamado Ronda Escolar, que além do policiamento nos estabelecimentos de ensino também realiza palestras, visitas e apresentação de peça teatral. A Ronda Escolar complementa o policiamento já realizado pelas companhias independentes nas localidades onde as escolas estão instaladas. Em 2013, foram  90 ocorrências atendidas pela PM nas escolas de Salvador.

Falta investir na formação do professor, diz especialistaPara a socióloga  Miriam Abramovay, coordenadora da Área da Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latina Americana de Ciências Sociais (Flacso – Rio de Janeiro), é necessário que os governos estaduais e municipais invistam em cursos de formação de professores que abordem debates sobre mediação de conflitos, diversidade, violências e desafios na construção de planos de convivência escolar.

“Há 50 anos, a escola era um ambiente sagrado, hoje a escola não tem mais um espaço respeitado. Não existem políticas públicas. Alunos e professores vivem com medo. Falta diálogo”, explica. Abramovay, que já escreveu cinco livros sobre o tema,  pontua que as questões de violência são colocadas em segundo plano nas escolas.

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